13 novembro, 2014

Relativismo

Hoje eu vi uma senhora. Há muito tempo eu já não via ninguém.
Ela que quando a encontrei era uma menina. Ela deve ter passado por muitos dias como o de hoje; dias de morte, dias em que morremos.
Toda a gente vai morrendo e envelhecendo.
Existe aquela gente que quanto mais vive, mais rejuvenece. E rejuvenece com o rosto cheio de marcas. Os dias passam e essa gente ansia por mais e mais.
Mas há também a gente que morre um pouco e, mesmo sem veios, a cara não tem o vigor de antes e o sorriso perde os dentes e o cabelo é preso, parado, não se move.
Há essa gente que é estátua.
Eu vejo pessoas todos os dias. No elevador, na lanchonete, no curto espaco de tempo entre o agora que é meu e o agora que foi vendido, o meu tempo.
Falo pouco com elas.
Tem a moça que trabalha ao meu lado e que evito falar, olhar, sentir seu cheiro, ver seu cabelo ou seus modos. Eu corrigo sua fala silenciosamente - algumas vezes, sem modo algum, corrijo mesmo - eu a acho feia, acho que não sabe andar, que tem medo de tudo. Acho que é um bichinho acanhado...
Eu não gosto de gente assim: que se esconde, que range os dentes em segredo, que se afoga com o próprio ar. Já não respiro e não gosto.
A beleza é outra, eu vejo a beleza porque ela está em mim. Se eu perdi a capacidade de enxergar é porque deixei-me cegar.
Eu vejo gente, todos os dias, ouvindo música, ouvindo nada.
Talvez aquela senhora não tenha envelhecido ela, mas eu.
Se eu envelheci sem perceber os outros ao meu redor, como se estivesse presa num espaço relativo, provavelmente, quem morreu fui eu.