05 julho, 2012

Velhice

Olhando bem, bem de perto, a verdade e que estou envelhecendo. O curioso e que nao sinto a velhice abracando meu corpo a noite, tampouco em outra hora qualquer do dia. Mas a vejo em tudo o que olho.
Talvez nao seja meu corpo a ficar velho e velho todo dia, mas eu que insisto em querer ser velha mais e mais rapido.
E se penso nesse misterio de crescer, vejo que o tempo nao tem muito que ver com isso e que sao os que estao de fora, portanto, que me dizem tal velhice. Meu corpo e fora e parte de mim.
Assim como sinto e vejo o latejar de meu peito na sombra de meu corpo, vejo voce se aproximando de leve e silenciosamente,
morte contida de ser o que se e de novo e desde a vez primeira,
acumulando tudo o que pode, num capitalismo desenfreado de si mesmo.

Feliz de mais

Eu sempre gostei de cantar a roda viva. Me encantei por suas formas e diversas historias, as rosas, as rocas, as mulheres sagradas ciganas que manipulam esses fios. Sempre tive tambem a certeza da sua existencia como um cronometro ou marcador bem junto ao nosso nome em algum lugar onde somos observados, mesmo que essa 'observacao' tenha tantos outros significados - deuses, memoria, construcao, arquivamento de nos mesmos... O que sei e que a roda viva e o elemento de mim e para mim; e aquilo que me traz a confianca de nunca estar tranquilo de mais, de esperar a queda ou o salto subito de nos acordar. A tranquilidade de saber-se intranquilo todo o tempo...
Entender as coisas desse modo e como estar numa coxia, esperando sempre a hora da entrada, sem saber ao certo qual fantasia vestir ate que, no ultimo minuto, alguem grita com urgencia o caracter a ser encarnado. E no palco, o improviso e seu melhor espetaculo.
Eu estou aqui agora como todos que estao na terra: no alto, no auge, por cima e ao mesmo tempo contando com a gravidade pra nao cair. Contando com a incoerencia de estar sempre caido para nao cair duma vez ou lentamente, afinal, no salto, quando estamos caindo, estamos na verdade, voltando ao ponto seguro que nos prende a terra, a queda feliz...
E aterrorizador este estado de vigillia. Alias, o que amedronta mesmo e o publico esperando voce e seu personagem para contar, ao final, quanto de aplauso ou vaias vai lhe oferecer. Assustador e descobrir que a plateia inteira e um so; e voce. Os sabios ja nos disseram, nos e que nao entendemos muito bem...
Eu sigo cochilando um pouco embalada pela minha roda que e rapida ou lenta de mais, como queira, meu sono.
Agora Miguel nasceu e e tudo um milhao de coisas. Os meus sonhos sao reais de mais, minhas lagrimas mais frageis que nunca, meus medos carregam foices de fio bem fino e meus ouvidos sao sensiveis a tudo para que eu possa escolher o melhor ruido.
 - Certo dia acordei acalentando meu pequeno que, ainda em meus bracos, dormia quieto em seu berco. Num outro momento, nao quis sair do lugar, imobilizada pelas lagrimas da perdicao, cortada e esperando o choro que me trouxesse para a necessidade de viver outra vez...E tudo muito complicado de explicar e se fazer entender porque nao e facil dizer, contar, falar sobre o que nao tem nome, cara e os outros so escutam o que tem rima facil de mais.
E tudo um milhao de coisas e eu. Eu dancando um pouco, esperando a queda, acalentando a mim mesma em sonhos e atenta a todos os ruidos.

Hoje acordei com meus gatos brincando em minha cama. Eles sao de todas as cores: sao brancos de olhos curiosos, pretos bem pretos e manchados de amarelo vivo. Meus gatos sempre pulam em mim e mesmo quando nao os tenho os vejo e sinto o ronronar da memoria de todos os gatos que ja viveram comigo. Eles me despertam nao nas manhas mais dificeis, mas nas que se seguem me lembrando sempre como sao bonitas as cores da manha em seus pelos macios. Como sao bonitas as cores do acordar depois de um tempo sombrio.

Certa vez, um amigo pediu que eu escrevesse contando como estava a minha vida agora depois de tanta mudanca. Nao o fiz. Nao havia possibilidade alguma de por em pontos todo esse balanco. Talvez estivesse feliz de mais com os olhos embacados por essa ilusao.
Ainda estou feliz, mas tambem choro. Assim, vejo melhor as coisas que me cercam. Ou simplesmente, as quis enxergar e contar somente agora.