29 dezembro, 2010

Saudável Saudade

Sabe? Sanidade é algo que procuramos o tempo todo. Ser normal é ser são, lógico e certeiro em tudo. É na sanidade que se realiza a maior das aberrações contra nós mesmos. É lá, justamente nesse lugar deserto e estranho onde nos negligenciamos todos os dias, podamos não a copa mas a raízes. Parece estranho querer estar são. 
Agora mesmo, o meu pensamento se vai sem linhas num céu azul e sem nuvens, como num sonho, como o é. O que pesco neste momento mais leve é que a sanidade é como um freio. Não um freio de mão alucinante a sabe-se lá quantos quilômetros por hora sem aviso prévio. Mas um freio mastigante, intermitente e eterno.
Foi encucado em nós, não apenas no pensar sobre nós, que é bonito ser são.
De fato, o que penso é que adjetivaram o que há muito urge por ser verbo. Somos. Os sãos de alma, são, na verdade, doentes na cara e as ações limpas sem cheiro e harmoniosas nas extremidades não são mais que a chatice de viver assim como quem quer tudo, mas não ao mesmo tempo.
Todos os dias em que entrar no banheiro de agora em diante, e em todos os espaços, darei o direito a mim mesmo de liberdade incondicional. Minto. Liberdade condicionada ao que, em mim, constrói o que há de mim de mais estranho. E não só eu.
Que esse seja o desejo mais puro de ano novo que se possa ter. 
Que tenha a liberdade de nunca ser realizado, como todos os outros desejos sãos.

20 dezembro, 2010

Darlene

Desceu a rua balançando o corpo como de costume.
Os rostos acompanhavam seu movimento, mas não era isso que prendia sua atenção aquela tarde. Nunca soube ao certo o que fazia de si tão estranha àquela gente que insistia em estranhar. Era sua rotina, porém.
Hoje, a mente trabalhava em expediente diferente. Havia um cheiro e estava embriagada.
Subiu as escadas e nem se deu conta da gata que espera a passagem  para brincar com seus tornozelos. Quando chegou, tudo estava tão normal, tão igual, que percebeu desconcertada a presença do tempo estante e pastoso.
Cumprimentou a mãe na cozinha que, mesmo sem lhe voltar o rosto, dizia que estava bem e que a amava. Isso  porque é inerente às mães amar quem quer que seja filho seu, de ventre ou não. Às mães não há espaço para escolha de nome e nota de amor. O resto da família também estava lá e seu quarto no mesmo lugar.
Acontece que à tarde, antes de seguir o caminho, beijar as mãos e respirar o tempo pesado, houve água. E posso mesmo dizer que não era água ao certo, mas que tinha o cheiro e o toque da água chuva cachoeira que se derrama feito qualquer coisa, que não sabe das convenções de pessoas que espreitam passadas sem barulho ladeira abaixo. Acontece que o tempo é tão fluido quanto água. Tempo é água de lavagem.

(Suspira.)

Nada arde como o lábio quando o controle não toca a sombra que afaga. Nada alcança o lábio inerte. Acelera, acelera, respira e corre e sofre e deseja.

Então, as tardes são curtas o suficiente para voltarem sempre e sempre. E enquanto o tempo se cristaliza na sala, enquanto as mães amam sem porquê e os pais dormem no sofá, a menina anda todos os dias pelo relógiodo desejo porque é tempo de poder.

Esquecendo-se disso, convém, porém, observar,  que os adolescentes morrem aos pés da caixa sem ao menos cojitar sua abertura. Quando acordarem, o espaço entre o agora e depois terá deixado poeira em seus ombros e não deixará, além disso, vontade.

Ah que o tempo nos causa enjôo às vezes!

28 novembro, 2010

Mariza

-Mas quem disse que quero ouvir qualquer coisa que tem a dizer?
Foi o que todos puderam ouvir de Mariza da sala que distava alguns metros até onde todos se encontravam. Preocupação maior e primeira é que Mariza não gritava. Segundo, que não era de seu feitio discordar da ordem imposta pelas circunstâncias humanas de ouvir. Terceiro, Mariza era sempre interessada em tudo, por que não queria ouvir?
O mais impressionante na tarde em que as paredes já estavam quentes o suficiente e a cor laranja se prolongava até o cômodo de onde se podia ouvir Mariza, era que o eco de sua frase a deixava ainda mais só que o imaginado. 
O outro a quem se referia sequer interferiu no movimento do vento que traz e propaga os sons de indignação ou o fungo de fermentação qualquer que se dá dentro de nós e de nossas vontades quando ares como esses trazem negações tão grosseiras.
Sueli, a filha cheia de ímpeto de iniciar e de conter as necessidades do ímpeto, de brincar e maquiar verdade com mais verdade ainda, essa menina doce e estranha ao mesmo tempo, que tinha manchinhas pelo corpo, sabia o que fazer, já que seu tempo permitia qualquer coisa. Entrou.
Não havia, de fato, ninguém ali.
Fechando a sala solenemente, a pequena vira-se para o público que espera suas conclusões e diz:
-Silêncio! Que a mamãe não se perca também...
E com um sorriso desses que prevêem o que já se viu como algo que ainda chega de surpresa, saiu do recinto, partiu para o seu balanço de costume e passou a tarde toda remoendo.
O irmão, então, pensou sobre a menina e achou que também pudesse entrar. Abriu a porta como se tivesse o direito de saber sobre o que tanto gritava sua irmã. Dando os olhos com os dela, remexendo assim como se não soubesse nada, teve o momento em que estava igualmente perdido no caminho de tudo o que ela disse outras vezes, e como se reconhecesse uma previsão antiga, voltou ao centro dos que os esperavam. Não disse qualquer palavra.
Sentou-se no seu lugar predileto de fumar, montou seu cigarro e fumou profundamente.
Os outros homens ficaram com medo. As outras mulheres também. As outras mulheres tinham uma curiosidade velada. Os outros homens também.
Ivete, a mais velha começou a se perguntar se ninguém ali tinha se envergonhado de continuar esperando pela resposta tão silenciosamente e com tanta calma. Marcelo, um quase desconhecido, que caminhava pelo lado da casa vez em quando, perguntou se essa não deveria ser a forma correta. Se a resposta esperada não era um grito qualquer. Jaime, não se pronunciou, mas olhou todos um a um , algo que nem todos perceberam. Aline, riu-se um pouco e com medo do que pudessem pensar, tratou de encontrar um pretexto comum para a risada comum. Não disse nada e, providencialmente, retirou do bolso uma borboleta, ela dançou um pouco pelo vazio dos silêncios daquele lugar e todos entenderam seu motivo, mas nenhum outro membro riu com ela.
Mariza estava cansada, todos sabiam, daquele lugar. E o escritório já não era bom para ficar perdido. Mas Mariza estava.
Sueli, a primeira menina, já havia parado o balanço. O irmão também havia voltado ao meio dos outros todos que não arredaram o pé de canto algum até o final da tarde em que o sol já morto deixa um espaço fosco para a chegada das estrelas. Estavam ali em todos os mesmos lugares de senpre. Manoel em seu sofá, Antônio sob uma luminária alta que havia no canto. Julia continuava esperando que alguém pedisse, com a sutileza dessa ordem, água ou café ou suco do que pudesse ser feito. Todos queriam sair e encontrar a razão do grito de Mariza.

É preciso mais que vontade de sair de qualquer lugar.
Os três primeiros ainda riam, calavam ou balançavam algum brinquedo qualquer de corda e árvore e sombra. Ela ainda estava presa no escritório onde o som de seu grito ecoava insistente, agora, transformado em silêncio. E quando o dia chegou, quiseram voltar todos aos seus afazeres. Voltaram.
Foi aí que Mariza repetiu para o homem de azul que visitava sua casa naquele dia: 
- Não quero ouvir nada mais. Quero inclusive que leve o tapete, os livros e tudo que traz toda essa poeira. Martin acreditou que fosse loucura ser expulso assim de tanto tempo em que poderiam construir para espantar a todos.
Mariza achou que seria imprudência permanecer assim em tanto tempo em que se espanta todo mundo.
Julia achou que seria loucura continuar tanto tempo só. Mas ninguém pôde perguntar nada a Julia, ela não diria, também não seria ouvida.
Os dias nasceram a seguir. 
Tudo era calado outra vez e nada mais espantava. Mariza continuava só quando todos achavam que assim estava. Quando falava, era possível entender seu interlocutor, vê-lo, às vezes, e estar seguros de que a loucura não é ali assim tão palpável como naquela noite.
Mariza não viveu feliz. Ninguém viveu feliz, talvez, mas todos continuaram livres.

11 novembro, 2010

Segredo

A menina estava quieta num canto. Os mosquitos e as moscas rondavam a casa e a menina observava tudo com cuidado. Estava atenta para que não se atrevessem!
Um dia, a menina viu uma flor e era azul e tinha outras cores também. E a menina mexeu seus olhinhos para o lado da flor e fisgou a flor com o tilintar das pálpebras. - Mas acontece que a flor se mexeu!
- Não era uma flor, então!
A flor voava leve e seguia os rastros de luz da sala.
A menina viu que a flor era leve e viu que a beleza da flor deixava ela ir. A menina quis a flor por isso. Quis a flor porque voava.
Levantou-se e em meio à cortinas de poeira leve e sol solene caçou a flor que se mexia. Mas acontece que onde ela chegava, a flor saía e quando saía de novo pra então voltar, a flor já tinha deixado o lugar em que estava. Ela tentava olhar para o lado, de modo que a flor não soubesse de suas intenções, aí, num momento de agilidade em que surpreenderia a flor, ela pousava em outro canto, outra vez!
A menina percebeu que a flor, além de voar, lia pensamentos - era uma flor mágica! E pensou:
- Se ela ler pensamento, por que não pousa aqui comigo? Não deita para ver o rastro de ouro que o sol me deu de presente?
Deitou bem onde estava e ficou esperando horas pela distração da flor e esta já não voava. Estava parada, quase imóvel, de vigília.
- Ela respira? - pensou a menina.
Talvez estivesse com medo a flor. 
A menina dormiu. E acordou. E quando acordou, a flor estava ali a seu lado.
A menina pegou a flor, parecia morta, mas estava tão viva ainda. Essa menina pegou a flor e guardou com um pequeno alfinete e pensou que ler pensamentos era proibido.

29 outubro, 2010

linha 11

O que causa em mim essa vontade de continuar apesar das agonias noturnas e dúvidas diárias. O que me faz curiosa apesar disso tudo. É a iminência. A iminência de estar vivo. A iminência de que chegue a qualquer instante. Iminente desejo, espera queixosa.

17 outubro, 2010

linha 10

Queria escrever ontem aqui pra que todos ouvissem sobre minhas conclusões de olhar e céu. Mas acontece que, hoje, nada lembro de ontem. A vida costuma ser assim, passageira demais e eu sempre parando e dando tempo ao lamento. E não é nada, mas acontece que, ontem, de hoje eu nada sabia. No entanto, eu li que Bandeira dava bandeira de seus afetos fraternos em suas crônicas cínicas de crítico autor dissimilado que dissimula o próprio Ser derramado no olhar e na sua poesia futura, presente e que todo dia passa por mim! O que acontece, é que tudo isso pode não ser válido e, de qualquer forma, é nenhuma poesia. O que aconteceu é que preciso de todos!

09 outubro, 2010

Matança

Saiu devagar, desceu as escadas como quem corre, bateu a porta e virou as costas para o mundo do abandono. Abandono escolhido, desses de fazer nada em hora nenhuma e perder a virtude que um dia imaginou ter. Tudo bem assim no passado. 
Não era um dia especial, sequer um dia qualquer, era um dia igual a qualquer outro. Não há nada de novo, tudo é revisitado. 
Andou bastate e já estava um tanto cansada de mais para as oito da manhã. Sentou e parou de fazer o que tinha que fazer para contemplar o que ia se desfiando à sua volta. 
Ela despelava animais. Na verdade, o nome mais preciso é esfolar, esfolação; para ela, obrigação. No início poderia ser qualquer coisa repugnante ou não, dolorida ou não, então passa a ser indiferente, divertido, e só assim, repugnante mais uma vez. Não havia repugnância no ato em que os bichos gritavam par ao vazio - só há o silêncio. Não havia repulsa em sentir a inocência de cada um daqueles bichos abandonar os corpos, como rajadas de vento, e passar por si, entre o cabelo, a pele, os olhos.
Mas então, contemplou. Contemplou não a paisagem que revestia a manhã, tampouco o pôr-de-sol, menos ainda o sangue que formava poças em que pisava e já era quase poça também. Contemplou o perder-se. E chorou. As lágrimas lavavam os cabelos grudados por entre as manhãs deixadas pra trás, e chorou também pelas mãos ensanguentadas, pelos pés vermelhos e pelas roupas sujas. Não chorou por mais nada. E foi um tempo curto apenas. 
Secou as lágrimas, arrancou as pele de alguns ainda que ali estavam e já não tinham mais escolha. Cansou de matar. Não por matar e olhar-lhes em olhos sem vida e por ouvir seus gritos e por sentir os escrementos de resto de vida de bicho esfolado ali. Cansou e só.
Terminou o dia. Lavou os instrumentos, limpou o terreno, lavou as mãos e trocou a roupa. Caminhou até a porta e antes que fechasse tudo, depois de ter recolhido o lixo e ter apagado as luzes, abriu todas as gaiolas que faltavam. Esperou sem paciência que todos saíssem, trancou a porta e levou a chave.
Chegando em casa, jogou as feramentas em baixo da cama e deitou. Bruços. Quase sufocando com o próprio peso, dormiu a tarde e a noite inteira, sendo que a manhã era  parte clara do sono.
Sonhou talvez, não se lembra.
Dia novo, rotina nova; saiu devagar, desceu as escadas como quem corre, bateu a porta e virou as costas para o mundo do abandono. E acontecia nada em hora nenhuma. Já não sabia perder a virtude que um dia imaginou ter. Tudo bem assim no presente.
Todos os dias, ao chegar, confere as ferramentas em baixo da cama, cai de bruços e dorme a noite e parte da manhã. Ninguém sabe o que há de acontecer quando os olhos interpelarem a manhã outra vez.

29 setembro, 2010

linha 9

Gostaria sinceramente de ter algo que pudesse relatar de triunfante ou mesmo bonito. Mas o fato é que tenho estado tão sem jeito, que os caminhos que as coisas tomaram são assim tão estranhos. Não há nada que se possa fazer senão por a cabeça nesse rumo e daí esperar a tempestade ou o que vier. O que é mesmo é que, agora, queria apoiar-me nos braços e chorar. Mas sequer motivos pra chorar tenho.

27 setembro, 2010

linha 8

Durma bem, ó criança, e durma bem perto de mim. Põe tua mão e traz a inocência de volta ao meu peito que as chances de morrer se foram. Não há nada além do que nos transformamos dia após dia, mas é tua mão que acalenta meu sono. Não tem pureza  nesse lugar, mas tu trazes a paz da estranha esperança; que não cessa, que não me abandona. Ilusão é teu nome. Mas é justamente de ilusão que vivo.

21 setembro, 2010

linha 7

Hoje é o dia em que procuro o cheiro de algo qualquer, um cheiro de querer consigo perceber os tons e notas de madeira ou flor, medo ou qualquer coisa. Logo, o dia começa com esse céu e esse sol e esses pássaros que nos vigiam...logo quando ouvi essa música que ainda toca e senti essas mãos, as minhas ainda, não sabia que não sentia... ainda procuro. Cheiro de algo novo que me tire daqui; um cheiro novo, dia novo, pássaros novos também.

19 setembro, 2010

linha 6

Certeza que as coisas continuam todas no mesmo lugar. Nada foi roubado ou desorganizado aqui, a não ser pelo roubo de mim que fizeste noite passada. Também não levaste nada, não deixaste também. Problema é não encontrar razão para perder-se. Meu corpo abandonado; sequer o desejo toca a pele sob raios de sol. À salvo e preso, em casa e fora de perigo. Eis o que me assusta.

18 setembro, 2010

Jornada

Fácil é. Mas essa não é a pergunta original. Não é assim que se constrói qualquer coisa em que se queira andar. Pisar o chão todos os dias não é das tarefas difíceis, é deixá-lo pisar de volta. Assim,  o acordar também não é estranho, tampouco o dia ou as coisas que acontecem sem previsão. Por isso as árvores apenas passam uma a uma e cada vez mais rápido pela janela enquanto olho os outros que seguem sem perguntar qualquer coisa também. Tão dolorido isso.

Naquele dia foi assim. O mundo invadiu a minha janela de movimento e apoiou-se em meu colo, olhou minha cara e perguntou o qual seria o meu pedido pra àquela hora, afinal, não se ocupa uma mesa sem que peça nada.

Havia necessidade de tudo: queria uma música e antes que o senhor anotasse o pedido, um outro carregando um fole, grande, entrou pela porta que eu não via tocando algo que não identificava. Não era das músicas que costumo ouvir, não era das que os outros ouvem; era música, no entanto, e as notas caíam em meu prato tilintando e respingando sopa em meu colo, minha roupa, branca ou acinzentada: tinha sopa pela gravata, pelo nó da garganta, pelo colete. Quando a música caía, eu não as ouvia mais e o senhor continuava abrindo e fechando os braços, rasgando o espaço com a navalha sanfonada.Havia duas senhoras em minha frente, na mesa da frente, não me olhavam, sequer moviam o pescoço, ou qualquer dos ossos ou músculos, para qualquer lado. Pareciam conversar, mas não conversavam. Terminei a sopa que esfriava - agora, cantava - limpei com o guardanapo num ritual inútil e sem propósito. Deveria mesmo era limpar a mim por inteiro.

Observei a moça pela janela. Ela parou um pouco, olhou pra mim e gesticulou coisas incompreensíveis. Era bonita de fato; não tinha olhos muito grandes, mas serviam ainda, nem uma forma de rosto que me agradasse, mas era um rosto, enfim, tampouco seu corpo era desses que se desenham no ar com os olhos cheios de libido, mas era um corpo e a trazia até a janela. Considerando os gestos que fazia, não deveria ser das mais inteligentes também, mas era uma moça. As moças não estão para ser julgadas: são cortejáveis, sempre.

Presumi que não falasse comigo, mas a olhava como se fosse; era tão bonito o gesto de falar e esforçar-se para o meu entendimento nulo. Já não era quase nada, só contemplação.

A música escorria pelas cadeiras em todo o salão agora. Desciam como minúsculas pontes pretas de mim e o tempo que não cabia no que eu via. Ouvir, já era improvável ali. Tomando o espaço por completo, as notas desciam em cima das mesas, nos homens que ali, estavam pelo balcão. As senhoras, engraçado, imóveis, acumulavam em seus chapéus notas e mais notas. Esse as protegia, mas, agora, já podiam sentir o peso da verdadeira sinfonia que se formara sobre si.

Havia figuras estranhas para uma manhã de terça-feira ali no bar. Não que fossem estranhos a um bar, ou àquele especificamente, mas um caubói, uma dama com buquê e um prisioneiro fardado e em farda para esse ofício, por que não, que tomavam em seus copos longos e adequados algo que não sabia. Não deveriam estar ali naquela terça. Entretanto, não perguntei sobre aquilo. Nada me incomodava mais que aquele frio.Foi então que me virei para a janela mais uma vez e ainda estava lá a moça e seus gestos. Indizíveis ainda. Cansei de estar parado. Sacudi a música de mim e caminhei para a porta. Deveria ir, sair. Foi aí que o tempo veio atrás de mim, em disparada, com a nota na mão e a bandeja embaixo do braço.

Quando passei pelas senhoras, a que estava de azul e chapéu com bordados segurou meu pulso com força. Não me atrevi a olhar para ela, tudo naquele lugar já me afligia, não era só a moça que eu não compreendia, eram os personagens, essas velhas silenciosas e imóveis, a música que se desmancha em coisa que não tem nome e até mesmo o garçom que obriga ao pedido e não te deixa sair em seguida. A voz da senhora era rouca, havia vida ali, então, e me disse coisas, a velha. Coisas que não me lembro de dizer agora.

Abri os olhos por fim. Tinha que descer, era meu ponto, outro desses quem sabe por quantas voltas e descanso passará? A rua, sempre deserta, estava só; quando segui até onde esta se encontrava com a outra. Minha patroa espera por mim. São anos de dias tímidos e similares uns aos outros. Pela minha janela não há moças, nem velhas, tampouco a música que não sai de mim (era uma mancha que escorria a gravada, manchava o colete e se misturava com a camisa). Pela minha janela há apenas árvores que passam e meninos que brincam, em dia de feira, com os pés no chão e a barriga virada pra o mundo inteiro ver.

Cheguei. E esse é só mais um dia em meu cartão de ponto.

12 setembro, 2010

Confronto

Se existe algo que realmente me encanta em todo o mundo, isso é o que chamo de cultura. É estranho falar cultura hoje em dia sem que haja um buraco imenso em sua frente, perigoso e encantador - o senso comum. Esse, cheio de resquícios, ao que parece, imperceptíveis, de pensamento já sujo e gasto que frequenta todos os espaços, sejam os corredores, os bares, os dias.

Pensar como quem rumina é muito comum, especialmente entre aqueles que conseguem citar meia dúzia de frases - seja de quem for - e já se considera intelectual. É isso, temos intelectuais por todos os lados! E temos tanta gente também. O respirar dessa gente, pra mim, traz a poeira de tudo que vivemos sem ter vivido ou o atavismo dessas reações que temos. O que me interessa, no entanto, é o que dizem a cerca desse povo mesmo, que até onde enxergo, sou eu também.

Li há pouco algo sobre como a cultura de nós mesmo era pobre e era pobre por simplesmente se fechar em si. Não consigo me lembrar se li o post até o fim, mas identifico ali aquele pensamento que já deveria estar jogado num canto, mergulhado na cervaja de nossa comemoração da festa que ainda se faz presente em silêncio e hálito. O que não compreendo nessas afirmações de que somos passado e que, para crescer, é preciso mudar, ser diferente ou integrar o outro e sua 'cultura' é: o que, afinal de contas, se passa diante dos olhos e que chega à boca desses seres?

Certa vez, li que cultura é o confrotamento do ser com o seu real e no mometo, não consegui imaginar algo mais claro para a descrição da palavra. O confrontamento com o real mostra pra mim mais que uma esperada renovação diária, mais que um diálogo de mentes e corpos, mostra o  "evoluímos", como em uma escola de samba que mostra o seu início, meio e, para nossa sorte, o não fim das coisas. É o conjunto de tudo que faz com que nos portemos da maneira como somos. Da maneira certa, digo, da maneira como haveria de ser, como aprendemos e não como o outro se comportaria. Não há a cultura fechada. Temo que dizer isso seja perigoso, mas acredito que nem mesmo a última das tribos isoladas se mostrará sem qualquer coisa quem venha do outro. Pensar assim, de princípio, é pensar o mundo pequeno e todo em contato. No entanto, não é isso mesmo o que engrandece o mundo inteiro em sua diversidade impensável?

O que li dizia sobre a cutura em Salvador ser fechada, como auto-suficiente, como se cada coisa que fosse exaltada pelas mídias - ou tudo que isso possa representar - fosse o suficiente para decretar o que é pobre ou rico ou cultura de fato. Para mim, o que há é uma diferença grande entre isso que dizem e os modelos que tentam se impor de todas as maneiras. É o modelo da aceitação indiscriminada o que vejo.
Mas o confrontamento com o real não nos permitiria o comportamento tão almejado pelas elites baianas e brasileiras e feirenses  e de todos os cantos. Nos comportamos do jeito que dá - espero que me entendam quando digo isso. Por isso o pagode com a mão no chão, por isso as sessões de jazz no MAM, por isso os encontros todos em todas as universidades. O que há em todos esses cantos é o diálogo do que somos com as propostas de nos transformarmos.

Estamos mesmo é com os instrumentos errados: o pagode usa o interesse midiático de satirizar o gueto para ganhar o dinheiro que merece, e ambos ganham! Soubessem desse mecanismo por inteiro, o usariam de forma diferente. Os que fumam o jazz do MAM, pudessem eles perceber as arrumações malucas que a música traz e como ela, a música, nos dar uma lição de entrelaçamento cultural, transformação e gente, talvez soubesse o que estão ouvindo ali de verdade. E se todos os encontros nas universidades servissem para pensar e não reproduzir...

Todos talvez saíbam disso tudo. E é isso que aflinge: sabemos. Temos é medo de encarar.

Não. Então, não precisamos de nada, enfim. Nenhuma mudança de comportamento ou de atrações novas, ou espetáculos mais caros e respeitáveis. Não temos que respeitar nada. A movimentação inerente de nós mesmo para o daqui a pouco se encarrega de tornar-nos naquilo que seremos. A renovação, a modernidade eterna, traz o que somos e isso é cultura.

O que nos falta é a intencionalidade, os instrumentos estão aí para todos, afinal, caneta serve para escrever, mas encravada na jugular, mata! - como já disse o professor Elói. 

Não, não penso contra as coisas que nos chegam, penso é sobre como elas chegam. Não penso sobre a transformação. Tenho medo é da suplantação.

linha 5

Às vezes, me demoro em frente ao espelho e fico assim por alguns longos minutos. Fico tentando me apaixonar por mim, mesmo, e penso sobre o quanto isso é difícil conhecendo-me tanto e tão profundamente. Penso também sobre como não sei nada de mim. Mas paixão não tem nada que ver com saber...

30 agosto, 2010

linha 4

Se houver uma só maçã que valha a pena, quando tudo se perde, a safra é boa. É a maçã que escolhe quando brotar. Ou não é uma boa maçã, então...

28 agosto, 2010

linha 3

Coisas boas para uma noite preguiçosa: houvesse coisas boas, não seria uma noite preguiçosa!!

24 agosto, 2010

Verdades do inferno

Todos os dias, não importa se começam à tarde ou mesmo se se esticam por mais que os limites de seu sono, trazem tristezas miúdas e feridas latentes. A maneira de vivermos bem ou não está em escolhermos bem o que sofrer e o que ignorar. É estúpido ter que escrever isso de tão óbvio que é. Ainda assim, os dias continuam em sua peregrinação bruta e melancólica de machucar. Mas não há lamento nisso. Há constatação.

Me alegra ler coisas novas na Feira - e me satisfaz escrever isso - porque esta cidade pra mim é o síbolo de novidade e renovação que encontro como força de maravilhar-se. Sabia isso há mais tempo. Mas só agora, no momento em que mais me fecho, consigo enxergar com esses olhos compridos que jamais soube existir. Digo isso em todos os planos que conheço exisitr. A maior de minhas descobertas é o sentimento pegajoso que me gruda na cama ou deixa marcas de mim no quarto que aspira o que tenho me tornado nesses últimos meses.

A menor, contudo, é o sentimento do mundo. O mundo pequeno envolvido  no sistema indescritível ainda de tantos corpos e cabeças ora habitadas, ora não. Esses sentimentos que causam medo; pudéssemos viver sem eles, talvez não fosse vida, mas seria mais feliz...mais tranquilha, talvez. 

Mas há a melhor. A melhor descoberta de meus dias aqui envolvida em mim são os outros. Os outrso que não existem e passeiam pela magia de encontrar-se sem o encontro. O virtual observado de frente. E se tantos outros já atestaram esse novo movimento - já não novo, quase caduco - o que me deixa atônita é a recriação de verdade postada em blogs, miniblogs, mensagens e conversas onde as expressãoes são aproximadas do que se imagina como expressão.

Para entender, converso comigo por vezes e se não posso considerar os animais aqui presos como interlocutores, então, dou o braço àqueles que me dizem solitária de fato. Mas, são nesses papos de mim pra mim que entendo como a verdade se forma e é possível. Dá mesma forma que tenho tantas expressões faciais, nunca vistas por outro além de mim com os olhos iinvertidos, tenho a liberdade das expressões alheias que imagino. Isso quer dizer que a expressão do outro, atestados de aprovação, maravilha ou medo, não é mais que a expressão prolongada de mim ou da minha mesmo desdobrada para cumprir as necessidades do interlocutor inexistente... O fato é que minha verdade é moldada antes da aprovação da expressão alheia já que essa existe antes e eu a conheço por ser a  minha própria.

Acontece, então, que o mundo virtual permite a idealização de perfeito entre os povos que é a transparência de opiniões, sugestões, conselhos e dizeres. Acontece que a perfeição do contato é a impessoalidade. Isso nos aproxima mais e mais. É permitido olhar, apenas olhar, desaprovar, concordar ou não, mas sem correr os riscos da coerção a que estamos sujeitos todos os dias. Ela semrpe estará lá. Mas posso escolher aceitá-la. Pra isso, basta criar partes de mim fortes o suficiente para encará-la enquanto me preservo de enfrentar sua fúria.

Óbvio, fora isso, o pacto de hipocrisia necessário para a paz de todos, sendo essa,  a variável que permite a existencia de todas as coisas. E estará sempre aí para permitir que as pessoas toquem a si mesmas todos os dias, sorriam umas para as outras e aceitem suas mentiras tacitamente. Fora isso, aceitemos a vivência impessoal como a ideal de todos os tempos. Ou não.

E 'não' para tudo o que foi dito antes.

Quanto a Feira, a maneira magistral que aboia seu bando todos os dias me diz mais que o silêncio das paredes amareladas pela chuva e pelo môfo. E vejo sua gente bonita gritando em todos os lugares: nos malditos ônibus, nas benditas ruas de espera, nas malditas bancas de tudo e nos virtuais cenários das vontades. É assim que me perco na Feira de todo dia, pela trivialidade das conversas, pelas espotanêidade de outras e pelos dizeres dos novos construtores que, se não os vejo com esses olhos de desespero em luz real, é por esssa luz verdadeira e verdadeira msm que me cego aqui.

De resto, no fim, o discurso é cruelmente sarcástico quando toma conta dos seres e eles nem percebem o que está acontecendo. Basta observar para temer. E depois, pegue a porra de sua merenda e dê para sua mãe!

18 agosto, 2010

16 agosto, 2010

Tão forte

A  vida é verde.  A  vida é verde e tem que ser limpa.  São  os erros de nós mesmos que confundem o bem estar e a crise solitária dos impotentes. Ando aqui por esse quarto há dias e nem mesmo nos dias de céu azul dou por ele assim nesse tom. É que os outros se foram.

Todos saíram de algum modo; pelas janelas, com rancor e sem permissão. E o que segue, ainda que pareça um curso,  não é senão remendos e nós de falso arremedo.  A  pena é que lembramos as coisas ruins pelo peso que tiveram em nosso conforto e nem mesmo tentamos enxergar-las além disso.

Meu pai, quando morreu, nem soube que já havia sido perdoado. Antes ainda, não pensou que não houvesse perdão necessário... Ou possível. Talvez o que tivesse entendido ali, nos últimos dias de dor e esperança tardia, era que não são necessários os perdões e que isso de a vida do outro é mesmo só dele. Quando  a temos assim em mãos dadas de uma vida inteira ou de camas de hospital pensamos ser uma só - a dele e a nossa -, mas o que pensamos mesmos são as vontades que fazem a minha, e somente a minha, existência mais feliz e completa de sentido.

Nunca me perguntei sobre suas dores e vontades de voltar no meio do caminho. Mas também não haveria de perguntar. A vida não é pra ser assim tão cheia de compreensão então. Seria ela limpa de mais. 

O que sei é que as intersecções que se dão no caminho não passam de coisa chata e ruim. Isso de minha vida é ainda mais complicada e dolorida se tem a tua no meio. No entanto, não fosse isso, seria a vida limpa de mais. E a vida tem que feder.

Hoje  seriam  cinqüenta  e dois anos de uma vida inteira.  E  o que  sobra é o som  de tua boa gargalhada quando estava conosco.

13 agosto, 2010

Por capricho e mau trato

Enfim, os gênios vieram e sairam sem saber que eram grandes ou sem que soubessem disso ainda. - Pessoa morreu pobre. Foi o que me disse um bêbado que escorria pelo sofá à meia luz. - Mas os gênios, são eternos, mesmo sem se dar conta ou sem que tenham dado por isso. Não há motivo para não os querer! E vivo, sim, então, suspirando e saboreando os gênios que cercam meus espaços: os próximos, os vivos, os de agora e depois. Salivo cada pedaço de suas mentes maravilhosas, doentias e ausentes.

A pequena parte que nos cabe aqui, a terra em que pisamos ou o horizonte para onde olhamos, tende à cor ou limite que eu quiser; é doente pensar pequeno, mas é o pensar grande que incomoda num tempo em que há informação de mais e têmpero de menos. E o que causa desconforto, naturalmente, é banido. Adoro as mentes doentias que coroam os singelos cafagestes, as doces mulheres decadentes ou os rancorosos velhos puramente ultrapassados.

Vivo em paixão pelos Nelsons, os Buarques, os Fogwills e todos que ainda não conheço. Uma pena pra mim: o mar é só uma ponta! - uma maravilha pra mim: O mundo é grande de mais!

Mas se tem algo que me interessa constatemente, que me desafia displicente, que está aqui, é essa tal de modernidade. Ó monstro sagrado de nossas vidas, com tantos nomes para o nosso fracasso, com tanta embalagem para os nosso medos e com tantas marcas em nossas faces... Toquem a abraçar-se, almas, e lamentem o cheiro horrível de morte que beira os teus laços. Que desmorone o mundo todo, inteiro em lama de nada, de nada de nada, mas que cresça em nós, todos os dias, os desejos de um mundo eterno, moderno e decadente... Só assim a matéria se refaz.

E os imortais? Falamos deles mesmo quando fenecendo em sofás apagados,mesmo quando exalamos o hálito da bebida bendita e que assim seja! Os imortais estarão aí preenchendo os não-espaços e sobrevivendo.

27 julho, 2010

Cotidiano

Entrar por teu quarto, arrancar-te desse mundo que tanto grita. sentar em teu colo e cantar algo ao teu ouvido, querer saber de ti mesmo que pensamento anda a rondar tua cabeça quando me olhas e não olhas mais. Abraçar-te até que te vejas obrigado a apertar meu corpo contra o teu mais que o que faço quando, assim, te tiro desse estado para só, e somente só, querer um pouco da atenção que não me entregas assim de mão beijada.

Doce luta essa travada pelo silêncio que berra entre músicas, frases mal feitas e mal pronunciadas. Cadê o teu olhar que perdi. Vou encontrar ali, naquele canto, na tua sala, em teu peito o encanto que perdi. Não sei mesmo em que momento, mas meus diários agora só se preocupam em saber que dia está em tua cabeça martelando. Já não sei onde mesmo é que esse pensamento surge, se em mim e, então, em delírio vejo em tua face, ou se em ti e, em delírio, aflora em mim.

Totalmente ligada à esse querer passageiro que, qual pássaro louco, me beija e vai embora. Atravessa minha janela, senta ao meu lado, pousa em meu ombro e pousa a minha guarda, surrura aqui e vai embora.

Saibas, entretanto, que todos os dias atravesso o espaço de respeito posto, te beijo e te deito assim em meu lado, apenas contemplo-te contidamente todos os poucos minutos que em minha manhã vem para deixa-la mais colorida que essas tardes cinzentas.

Acordo, portanto, todos os dias. Deixo o bom dia, deixas também. O dia segue, e morre e amanhece todas as vezes a ponto de irritar tamanha repetição. Contradição: tanto morre, tanto nasce. Também é assim esse desejo que só se explica pela curiosidade de entender-te tão longe e perto.

Mas saibas, sol medonho de dias de inverno que se esconde tão maledicente, entro por tua casa todos os dias e arranco-te desse silêncio tão aterrorizante, canto algo em teu ouvido e obrigo-te ao abraço ainda mais apertado. E saio.

Saio sempre como se nada, nenhuma canção fosse dita, nenhum arranhão de nada em tua cizuda armadura fosse feito, como se sequer tenha encostado em ti. Gargalhando, por isso, caminho à porta da rua e vejo que vais também cada vez mais a ermo. Cada vez mais impercebível.

Ainda, um dia, arrancarei esssas roupas que esperam pela tua presença para que sequem, tiro-as dessas chuvas que sempre vêm e as ponho assim todas bem perto de tua cara estranha e branca de tão quente.E mesmo assim, invadindo tua casa, invado tua presença nessa mesma repetição que tanto irrita até que me digas, com descência, onde meteste o encanto que tinhas por mim.

20 julho, 2010

Voyer

Te espero solenemente, como todas as noites. Para que me olhes, para falares comigo, me desejares como imagino e ires embora, também, solenemente.

E durmo com a memória de teu corpo e não sei como dormes sem o meu que, em frio, queima pela espera de que deites aqui. Doce!

E adormeço sempre agarrada a algo que sequer tem cheiro, o teu que tá tão entranhado neste quarto, não faz distinção daquele que é meu e, por isso, não há pedaço de ti em mim que traz saudade. Não há saudade.

E se te ouço, sei que desejarei e tu, então, sentirás qualquer coisa que controlas, igualmente.

Deixarás - todas as noites - teu corpo para mim e dormiremos abraçados ao pouco que sabemos um do outro. Com frio e queimando. Somos o que há de moderno, atual. Somos o que não se une, o que é independente, o que me constrói e que construímos. Oh, sociedade contemporânea, como podes esvaziar minha cama, assim, tão insolentemente?

Oh, sociedade moderna, odeio tua individualidade!

16 julho, 2010

Vivendo

Meu coração tá rasgado e sangrando ainda.
Não saberia nunca escrever poemas,
mas essa dor não cabe em descrições pequenas.

Cada passo só, tanto nó sem lágrima.
A ingratidão caminha em minha cara.
Mas a cidade,
a cidade tem cores
e tem gente que vive, apenas.

13 julho, 2010

OS REINOS, AS FILHAS E OS REIS

Todas nós deveríamos chorar a dor de perder-se assim tão depressa. Que intenção nos traz até aqui? Se ao menos descrevesse comigo um desenho lógico, talvez comprasse tua idéia.
Se os dedos não são capazes de tocar a pele, como podem desejar a alma de quem bebe a mesma fonte todas as vidas? Que sequência de erros Vos diverte?
Deitei na pedra, ao sol, minha alma para corar, apenas a branquidão do tempo, apagando a juventude de quem espera e envelhecendo-os como quem pune. Estou marcada.
Semelhante injustiça segue as outras mulheres do tempo que amamentam as criaças nos ônibus lotados da cidade. Feiras livres de nós mesmos, um brechó de nossas identidades, a costumização de nossas vestes.
Veste teu manto, ó Senhora livre, Senhora pura e sem mácula e deixa pra mim a sátira de estar vivo, a mancha de ter querido mais que isso que me envolve. Meu poder é menor que o que em mim vive, mas os mundos não se limitam a estar aqui, assim, perdidos nessa chita que só me diz que não sou.
Que pureza nos julga todos os dias? Que sargeta nos aquece todas as noites? E que faço eu com essas mãos que sequer tocam minha pele? Não os quero.
Não quero os homens que salivam em pé nos mesmos ônibus da cidade que cresce, alto. Não quero também os homens do bar que bebem coragem e fumam cigarros. Eu quero o próprio desejo de fumá-los, porque sou mais que isso. Sou e somos.
Quem é você todos os dias pela manhã? Por onde andas quando a noite vem? Estamos tão perto e continuo sem entender tuas mãos.
As mulheres de nossas noites, dos mantos dos dias, também dos mantos que doam sem perdão, não queremos Vossos líquidos sagrados, Vossa coragem forjada, tampouco, Vossas bocas coradas pelo hábito. Traz apenas tuas mãos e entenda que querer morrer é querer viver mais, mais que todos os outros.
Como podes ignorar tanta cor, cheiro e sangue?

02 julho, 2010

Bom Dia

Hoje é só mais um dia. Bom dia por isso.

Não. Na verdade, não pode ser classificado como um dia qualquer. Nem todos os dias podem. Quando o são, o que tem que ser classificado mesmo é aquele que vive o dia. Hoje, portanto, é um dia diferente e consequente; um resultado e ponto. Não é um bom dia, então.

Um dos meus grandes problemas é o explicar-se. No entanto, tento. Talvez porque os pensamentos e ligações em minha cabeça acontecem de uma forma muito particular. Tenho que tentar sempre e mais. É uma das partes que me distingue. Acredito que todos tenham isso de particularidade, por isso, acho melhor escrever estranheza. Então, tenho estranheza em agir e causo estranheza aos outros.

Os outros.

Os outros é que não entendem mesmo o que é nosso enquanto particular e ainda menos quando estranho ao seu modo, bem parecido, então, com outros tantos que se agrupam e que formam espécies de novos clãs. Os clãs da modernidade que se unem pela afinidade de pensamento; algo que pode ser descrito como simplesmente não desacordo entre as partes. Isso não é ruim.Os clãs sempre existiram pela conservação da espécie. É assim que as pessoas se juntam "na adversidade".

É engraçado pensar isso como um conceito mais vazio e tão completo ao mesmo tempo. Completo se pensarmos a palavra com o seu arquivo morfo, lógico, dicionarial (se assim pudesse chamar). Mas vazio naquilo que é ainda mais precioso para sua construção: a história. A história por trás de cada palavra. não que não exista; pode-se descrever sua formação e sua acumulação de significados por todos os tempos. Mas, justamente essa, agora se quebra. A adversidade é mais um código de união de semelhanças.

Aqueles que se juntam na adversidade se juntam em suas semelhanças para enfrentar as semelhanças dos outros, digo, a adversidade...do outro grupo. Como isso está presente no cotidiano? sempre. E não é necesário mais que isso. Necesário é saber qual o propósito desses dizeres iniciais, ou melhor, qual o propósito disso junto ao anterior.

Hoje não é só mais um dia e só. O hoje é o pequeno exemplo de o que é a adversidade em si. Conjunto e consequência.

Todos, os dias e nós, somos adversos por conta do ciclo intrínseco que envolve os dias e nós. Os dias são o que são porque somos o que somos e somos como somos por conta dos dias que foram como foram que foram por conta do que fomos e assim até o finito início de tudo.

Somos causa e consequência. Somos adversos por isso. Isso é a raiz pra cultura, tradição, todas as coisas que quiseres elencar. É também a base para a contradição de poder e fragilidade humana. Mas isso já é outra manga.

Somos e sou total contradição. Já disse isso em algum momento, mas repeti é fundamental para a manutenção da sanidade de mim; que já não é muita coisa.

Hoje é um dia diferente de ontem, de todos os ontens, de amanhã e de todos os amanhãs incertos de existência. Com esse dia massacramos os passados e deixamos marcas no vindouros. É assim que é.

Hoje, por exemplo, dia 2/07 é comemorado por ser feriado. Talvez menos comemorado por ser feriado justamente no dia do jogo do Brasil pela copa(!). Esquecido pela sua representação de sangue e sonhos.

O hoje é só hoje. Talvez morra aqui e seja esquecido tendo suas marcas espalhadas pelos diversos outros 'hoje' como algo que é sem que se saiba o que foi. É assim que somos.

01 julho, 2010

Memória


Lembro com um pouco de sofrimento os dias de minha infância. Não eram dos melhores. Pelo menos não eram para tudo o que eu pensava ser perfeito na época, ou, melhor que a infanciazinha mais ou menos que eu tinha.
Hoje tenho vontade de rir. Não só de mim e de meu pensamento depressivo e ingrato, mas da época toda. E são dois risos diferentes. O primeiro deles é quase um choro que é aquele que se rir com gosto e saudade. Tenho saudades do tempo em que toda a minha preocupação era agradar aos desejos de uma cabeça em formação e totalmente perdida girando no espaço. O quão cruel pode ser a formação de um ser girando espaços desconhecidos, perigosos e necessários.
Minha infância não teve nada de perigoso. Não aparentemente e esse era o perigo maior. Por que, além das drogas, do sexo e das companhias – os fantasmas de meus pais – , estava um sentimento que cresce e toma posse de você. Por maior que sejam suas experiências mais tarde, seu conhecimento mais tarde, sua vida formada, é um alicerce podre e ameaçador. A descrença em si.
Quando se vive em uma cidade do interior; quando se cresce em qualquer lugar, o você acaba sendo um microcosmo do espaço à sua volta. Irecê, na minha época, foi uma terra de três futuros: o alcançado, o decaído e, então, o sonhado. Mas não sonhado com a devida necessidade. Ele parece morto ainda hoje.
As perspectivas de futuro que havia traziam um quê de futurismo do tipo “as coisas vão dar certo, vão melhorar, é a conjuntura do país que propicia a melhora”, então, por conta disso, os empréstimos eram fáceis, as plantações acariciadas com mais que sementes, os filhos mais felizes e uns mais felizes que outros. Que a maioria, porque isso de futuro era, de fato,  para poucos.
Hoje os homens cresceram, as mulheres também, as crianças continuam lá, mas o futuro quer ir embora. Os jovens em minha cidade não vivem lá. Estão em outros campos, em outras conjunturas, buscando algo - longe das terras vermelhas, longe das sementes, sempre as mesmas - brilhante. Procuram o aviso com luzes e néon, embriagado e sorridente. Como um tolo.
Há o meu segundo riso. Quando rio de tudo isso. Pobres de nós todos que não sabemos que somos ainda terra de monocultura, desgastada, corrigida em ph, adubada com merda de vaca ou com essas modernidades tóxicas, agro, férteis, elitizantes. Somos terra arrasada ainda pela promessa. E, claro, pelas experiências infantes inconscientes e alheias à conjuntura nacional.
Moro algum tempo longe de Irecê. Tudo o que eu disse pode não passar de simples leviandade e lembrança recortada de infância esquecida ou intermitente. Tudo o que eu disse sobre Irecê perde a validade. Basta um discurso de qualquer um dos que vivem, ou voltem ao pó de quando saíram de lá. E tudo isso ainda que nesses últimos traços pode ser verdade, pode também ser mentira.
Realidade é construção. Plantação, que melhor nos cai bem. Mas não é diferente de qualquer invenção que eu tenha de minha lembrança. A memória é fascinante.
Eu sou ainda um microcosmo da terra que nasci. Futuro tripartido, monocultura de alma e povo que vive rasgando as possibilidades, as secas, as perdas de safra... agarrados à esperança de contínuo luminoso para uma terra de fronteiras. Fronteiras individuais.
Lembro: tudo isso aí não passa de memória. Ela e todos seus mecanismos mesquinhos e obscuros de formação. E eu não chamaria isso de niilismo, de amargura, de realismo, verdade ou sabe-se lá o quê. Eu chamo de memória.
Entretanto, gostaria mesmo era de voltar a ser criança. Viver essas coisas, mas tudo diferente. Rio muito em dias assim.

Distração

Talvez seja esse o diário de meus últimos dias. (rs). E antes que isso pareça uma carta de suicida, aviso que não as escreveria. Não tenho muito o que escrever em uma despedida, também não teria em quem colocar responsabilidades, deixando por isso, essas para quem as quiserem. Como se preciso fosse responsabilizar outro pelo desejo só meu.

Aviso, então, que, caso o meu sicídio ocorra, coisa que não estou avisando aqui, não é por culpa de outro. Eu não gosto, mas cuido das consequencias das coisas, mesmo que essas apenas venham e as apanhe, meio sem jeito, na cara ou com as mãos ocupadas.

Voltei com se nunca tivesse ido porque ninguém viu minha chegada ou partida. E a caminhada contrária é para anotar as lembraças que tive antes que o tempo encarregue-se de fazer de mim lembrança e nada mais. Então, para não ser apagada ou sofrer alguma injustiça no relato, escrevo aqui o que construir com esse nome tão passadiço: memória.

São as memórias que eu quero. As que eu tenho ajustadas. E não se engane, como toda e qualquer dessas que você tem e acredita como registro revestido de verdade, a lembrança é só isso: registro. modificado, ampliado, apagado, recortado, recosturado. Tal como as minhas, são mentira também.

Foi quando lembrei-me desse "uma linha por dia", foi justamente quando a falta de linhas já estava sufocando. Enforcando me um pouco mais todos os dias, tomada pela preguiça de alma e medo. Quem está aí? todos os dias os fantasmas perguntam.

Por isso, voltei com isso de falar para o nada,mas registrar as respostas de mim. volto e escrevo, portanto, sobre qualquer coisa que desejar. Especialmente sobre o que quero ver: escrevo. E perdoem-me se eu não voltar.

Sou mesmo assim: carreira e queda. Inconstância e distração. Contradição e nada.