29 outubro, 2010

linha 11

O que causa em mim essa vontade de continuar apesar das agonias noturnas e dúvidas diárias. O que me faz curiosa apesar disso tudo. É a iminência. A iminência de estar vivo. A iminência de que chegue a qualquer instante. Iminente desejo, espera queixosa.

17 outubro, 2010

linha 10

Queria escrever ontem aqui pra que todos ouvissem sobre minhas conclusões de olhar e céu. Mas acontece que, hoje, nada lembro de ontem. A vida costuma ser assim, passageira demais e eu sempre parando e dando tempo ao lamento. E não é nada, mas acontece que, ontem, de hoje eu nada sabia. No entanto, eu li que Bandeira dava bandeira de seus afetos fraternos em suas crônicas cínicas de crítico autor dissimilado que dissimula o próprio Ser derramado no olhar e na sua poesia futura, presente e que todo dia passa por mim! O que acontece, é que tudo isso pode não ser válido e, de qualquer forma, é nenhuma poesia. O que aconteceu é que preciso de todos!

09 outubro, 2010

Matança

Saiu devagar, desceu as escadas como quem corre, bateu a porta e virou as costas para o mundo do abandono. Abandono escolhido, desses de fazer nada em hora nenhuma e perder a virtude que um dia imaginou ter. Tudo bem assim no passado. 
Não era um dia especial, sequer um dia qualquer, era um dia igual a qualquer outro. Não há nada de novo, tudo é revisitado. 
Andou bastate e já estava um tanto cansada de mais para as oito da manhã. Sentou e parou de fazer o que tinha que fazer para contemplar o que ia se desfiando à sua volta. 
Ela despelava animais. Na verdade, o nome mais preciso é esfolar, esfolação; para ela, obrigação. No início poderia ser qualquer coisa repugnante ou não, dolorida ou não, então passa a ser indiferente, divertido, e só assim, repugnante mais uma vez. Não havia repugnância no ato em que os bichos gritavam par ao vazio - só há o silêncio. Não havia repulsa em sentir a inocência de cada um daqueles bichos abandonar os corpos, como rajadas de vento, e passar por si, entre o cabelo, a pele, os olhos.
Mas então, contemplou. Contemplou não a paisagem que revestia a manhã, tampouco o pôr-de-sol, menos ainda o sangue que formava poças em que pisava e já era quase poça também. Contemplou o perder-se. E chorou. As lágrimas lavavam os cabelos grudados por entre as manhãs deixadas pra trás, e chorou também pelas mãos ensanguentadas, pelos pés vermelhos e pelas roupas sujas. Não chorou por mais nada. E foi um tempo curto apenas. 
Secou as lágrimas, arrancou as pele de alguns ainda que ali estavam e já não tinham mais escolha. Cansou de matar. Não por matar e olhar-lhes em olhos sem vida e por ouvir seus gritos e por sentir os escrementos de resto de vida de bicho esfolado ali. Cansou e só.
Terminou o dia. Lavou os instrumentos, limpou o terreno, lavou as mãos e trocou a roupa. Caminhou até a porta e antes que fechasse tudo, depois de ter recolhido o lixo e ter apagado as luzes, abriu todas as gaiolas que faltavam. Esperou sem paciência que todos saíssem, trancou a porta e levou a chave.
Chegando em casa, jogou as feramentas em baixo da cama e deitou. Bruços. Quase sufocando com o próprio peso, dormiu a tarde e a noite inteira, sendo que a manhã era  parte clara do sono.
Sonhou talvez, não se lembra.
Dia novo, rotina nova; saiu devagar, desceu as escadas como quem corre, bateu a porta e virou as costas para o mundo do abandono. E acontecia nada em hora nenhuma. Já não sabia perder a virtude que um dia imaginou ter. Tudo bem assim no presente.
Todos os dias, ao chegar, confere as ferramentas em baixo da cama, cai de bruços e dorme a noite e parte da manhã. Ninguém sabe o que há de acontecer quando os olhos interpelarem a manhã outra vez.