Hoje eu gostaria de que ontem tivesse se repetido. A sensação de falta do dia de hoje é totalmente desnecessária. Ontem eu estava sonhando e tu estavas ali comigo e o sonho era real.
O meu toque tão real em gestos e puramente em gestos. Eu não sei se o sentimento, a sensação, se o ecstase correndo em minha pele tambem corria em ti.
Será possível uma corrente elétrica de tudo o que somos deixar tu saberes que em mim, bem dentro de mim, no fundo de tudo o que não pode, de tudo o que não sei, há um perfeito balanço de medo, de agonia, de felicidade com o teu olhar ou com a tua loucura? O mesmo balanço que tem um ciúme estranho, um medo repetido.
Quando penso isso tudo, sinto a juventude escorrendo de mim. Não que eu me sinta velha, mas que há tanta coisa agora. A vida é tão mais pesada, amar não é simples.
É preciso pensar: é isso amor? Como se fosse necessário pensar o amor! Como se o amor não fosse a vida, a necessidade humana. Como se a palavra "humana" já tivesse perdido o sentido. As pessoas já não pensam ou escrevem ou falam. As pesoas se comportam como deveriam se comportar. É como a palavra "escrever" - escrever é programar! A gente já não é mais a gente, nós somos o que uma sociedade inteira quer que a gente seja!
Mas a sociedade não come na mesma mesa que eu.
Não escuta a música que escuto.
Nunca saberá o gosto que sinto ao comer a fruta que não é fruta.
Que não mata minha fome.
Que não sacia minha sede.
A fruta não tem a cor original, nem gosto original e nunca teria gosto original nenhum, pois é uma fruta planejada, um ciclo violado, um ciclo estagnado no tempo. A fruta que deixou de o ser. Suculenta, açucarada, colorida: eu tenho a fruta enlatada na própria fruta.
Eu a como pela esperança. Eu a como pela vontade - não da fruta, mas da sua representatividade. Não tenho representatividade, lembrança; não tenho nada. Só frustação.
Será que sabes que o amor pode ter virado uma frustacao? O que é o amor que sinto agora? É real?
Não é necessário questionar a realidade do amor, impessoalidades de nós mesmos!
Agora eu sou a fruta. Não sou eu, mas parte de um todo, uma massa horrosa.
Eu fico imaginando, se antes de dormir, pensas naquele dia de ontem.
Eu gostaria de saber se pensas que estavamos tão perto que o cheiro de teu cabelo é um marco que em minha memoria traz o suspiro. É um átomo. É uma existência incontestável de ti.
E não por isso. É porque há tantos amores e há a transformação de tantos amores.
A verdade é que naquele trem, naquela noite em que teus olhos de fogo estavam tao pertos dos meus, de água, eu nao me importei com nenhuma de todas as outras pessoas que eram a multidão ao nosso redor.
Eu reparei, é certo, na moça à nossa frente que olhava eternamente o chão e que tinha uma flor pendurada em seu colo.
Eu reparei, é claro, naqueles três garotos à nossa frente que se riam, mas eu nao sei porque se riam. E eu não sei de mais ninguém. Eu não lembro de mais ninguém. Eu não me importo que qualquer um deles tenha visto que ali, eu te amava. Te desejava mais que tudo. Eu sei que todos viam que eu estava feliz. É possivel que naquele momento, no bendito trem e em todos os outros momentos, eu brilhasse, que uma luz estranha emanasse de mim, ou que todas as luzes refletissem em mim. Eu não me importo.
O que sei é que enquanto esperava o onibus de volta, eu estava dançando num ritmo só meu, sob uma música só minha e que eu pensava em Nietzsche sem nunca tê-lo lido de verdade.