29 setembro, 2010

linha 9

Gostaria sinceramente de ter algo que pudesse relatar de triunfante ou mesmo bonito. Mas o fato é que tenho estado tão sem jeito, que os caminhos que as coisas tomaram são assim tão estranhos. Não há nada que se possa fazer senão por a cabeça nesse rumo e daí esperar a tempestade ou o que vier. O que é mesmo é que, agora, queria apoiar-me nos braços e chorar. Mas sequer motivos pra chorar tenho.

27 setembro, 2010

linha 8

Durma bem, ó criança, e durma bem perto de mim. Põe tua mão e traz a inocência de volta ao meu peito que as chances de morrer se foram. Não há nada além do que nos transformamos dia após dia, mas é tua mão que acalenta meu sono. Não tem pureza  nesse lugar, mas tu trazes a paz da estranha esperança; que não cessa, que não me abandona. Ilusão é teu nome. Mas é justamente de ilusão que vivo.

21 setembro, 2010

linha 7

Hoje é o dia em que procuro o cheiro de algo qualquer, um cheiro de querer consigo perceber os tons e notas de madeira ou flor, medo ou qualquer coisa. Logo, o dia começa com esse céu e esse sol e esses pássaros que nos vigiam...logo quando ouvi essa música que ainda toca e senti essas mãos, as minhas ainda, não sabia que não sentia... ainda procuro. Cheiro de algo novo que me tire daqui; um cheiro novo, dia novo, pássaros novos também.

19 setembro, 2010

linha 6

Certeza que as coisas continuam todas no mesmo lugar. Nada foi roubado ou desorganizado aqui, a não ser pelo roubo de mim que fizeste noite passada. Também não levaste nada, não deixaste também. Problema é não encontrar razão para perder-se. Meu corpo abandonado; sequer o desejo toca a pele sob raios de sol. À salvo e preso, em casa e fora de perigo. Eis o que me assusta.

18 setembro, 2010

Jornada

Fácil é. Mas essa não é a pergunta original. Não é assim que se constrói qualquer coisa em que se queira andar. Pisar o chão todos os dias não é das tarefas difíceis, é deixá-lo pisar de volta. Assim,  o acordar também não é estranho, tampouco o dia ou as coisas que acontecem sem previsão. Por isso as árvores apenas passam uma a uma e cada vez mais rápido pela janela enquanto olho os outros que seguem sem perguntar qualquer coisa também. Tão dolorido isso.

Naquele dia foi assim. O mundo invadiu a minha janela de movimento e apoiou-se em meu colo, olhou minha cara e perguntou o qual seria o meu pedido pra àquela hora, afinal, não se ocupa uma mesa sem que peça nada.

Havia necessidade de tudo: queria uma música e antes que o senhor anotasse o pedido, um outro carregando um fole, grande, entrou pela porta que eu não via tocando algo que não identificava. Não era das músicas que costumo ouvir, não era das que os outros ouvem; era música, no entanto, e as notas caíam em meu prato tilintando e respingando sopa em meu colo, minha roupa, branca ou acinzentada: tinha sopa pela gravata, pelo nó da garganta, pelo colete. Quando a música caía, eu não as ouvia mais e o senhor continuava abrindo e fechando os braços, rasgando o espaço com a navalha sanfonada.Havia duas senhoras em minha frente, na mesa da frente, não me olhavam, sequer moviam o pescoço, ou qualquer dos ossos ou músculos, para qualquer lado. Pareciam conversar, mas não conversavam. Terminei a sopa que esfriava - agora, cantava - limpei com o guardanapo num ritual inútil e sem propósito. Deveria mesmo era limpar a mim por inteiro.

Observei a moça pela janela. Ela parou um pouco, olhou pra mim e gesticulou coisas incompreensíveis. Era bonita de fato; não tinha olhos muito grandes, mas serviam ainda, nem uma forma de rosto que me agradasse, mas era um rosto, enfim, tampouco seu corpo era desses que se desenham no ar com os olhos cheios de libido, mas era um corpo e a trazia até a janela. Considerando os gestos que fazia, não deveria ser das mais inteligentes também, mas era uma moça. As moças não estão para ser julgadas: são cortejáveis, sempre.

Presumi que não falasse comigo, mas a olhava como se fosse; era tão bonito o gesto de falar e esforçar-se para o meu entendimento nulo. Já não era quase nada, só contemplação.

A música escorria pelas cadeiras em todo o salão agora. Desciam como minúsculas pontes pretas de mim e o tempo que não cabia no que eu via. Ouvir, já era improvável ali. Tomando o espaço por completo, as notas desciam em cima das mesas, nos homens que ali, estavam pelo balcão. As senhoras, engraçado, imóveis, acumulavam em seus chapéus notas e mais notas. Esse as protegia, mas, agora, já podiam sentir o peso da verdadeira sinfonia que se formara sobre si.

Havia figuras estranhas para uma manhã de terça-feira ali no bar. Não que fossem estranhos a um bar, ou àquele especificamente, mas um caubói, uma dama com buquê e um prisioneiro fardado e em farda para esse ofício, por que não, que tomavam em seus copos longos e adequados algo que não sabia. Não deveriam estar ali naquela terça. Entretanto, não perguntei sobre aquilo. Nada me incomodava mais que aquele frio.Foi então que me virei para a janela mais uma vez e ainda estava lá a moça e seus gestos. Indizíveis ainda. Cansei de estar parado. Sacudi a música de mim e caminhei para a porta. Deveria ir, sair. Foi aí que o tempo veio atrás de mim, em disparada, com a nota na mão e a bandeja embaixo do braço.

Quando passei pelas senhoras, a que estava de azul e chapéu com bordados segurou meu pulso com força. Não me atrevi a olhar para ela, tudo naquele lugar já me afligia, não era só a moça que eu não compreendia, eram os personagens, essas velhas silenciosas e imóveis, a música que se desmancha em coisa que não tem nome e até mesmo o garçom que obriga ao pedido e não te deixa sair em seguida. A voz da senhora era rouca, havia vida ali, então, e me disse coisas, a velha. Coisas que não me lembro de dizer agora.

Abri os olhos por fim. Tinha que descer, era meu ponto, outro desses quem sabe por quantas voltas e descanso passará? A rua, sempre deserta, estava só; quando segui até onde esta se encontrava com a outra. Minha patroa espera por mim. São anos de dias tímidos e similares uns aos outros. Pela minha janela não há moças, nem velhas, tampouco a música que não sai de mim (era uma mancha que escorria a gravada, manchava o colete e se misturava com a camisa). Pela minha janela há apenas árvores que passam e meninos que brincam, em dia de feira, com os pés no chão e a barriga virada pra o mundo inteiro ver.

Cheguei. E esse é só mais um dia em meu cartão de ponto.

12 setembro, 2010

Confronto

Se existe algo que realmente me encanta em todo o mundo, isso é o que chamo de cultura. É estranho falar cultura hoje em dia sem que haja um buraco imenso em sua frente, perigoso e encantador - o senso comum. Esse, cheio de resquícios, ao que parece, imperceptíveis, de pensamento já sujo e gasto que frequenta todos os espaços, sejam os corredores, os bares, os dias.

Pensar como quem rumina é muito comum, especialmente entre aqueles que conseguem citar meia dúzia de frases - seja de quem for - e já se considera intelectual. É isso, temos intelectuais por todos os lados! E temos tanta gente também. O respirar dessa gente, pra mim, traz a poeira de tudo que vivemos sem ter vivido ou o atavismo dessas reações que temos. O que me interessa, no entanto, é o que dizem a cerca desse povo mesmo, que até onde enxergo, sou eu também.

Li há pouco algo sobre como a cultura de nós mesmo era pobre e era pobre por simplesmente se fechar em si. Não consigo me lembrar se li o post até o fim, mas identifico ali aquele pensamento que já deveria estar jogado num canto, mergulhado na cervaja de nossa comemoração da festa que ainda se faz presente em silêncio e hálito. O que não compreendo nessas afirmações de que somos passado e que, para crescer, é preciso mudar, ser diferente ou integrar o outro e sua 'cultura' é: o que, afinal de contas, se passa diante dos olhos e que chega à boca desses seres?

Certa vez, li que cultura é o confrotamento do ser com o seu real e no mometo, não consegui imaginar algo mais claro para a descrição da palavra. O confrontamento com o real mostra pra mim mais que uma esperada renovação diária, mais que um diálogo de mentes e corpos, mostra o  "evoluímos", como em uma escola de samba que mostra o seu início, meio e, para nossa sorte, o não fim das coisas. É o conjunto de tudo que faz com que nos portemos da maneira como somos. Da maneira certa, digo, da maneira como haveria de ser, como aprendemos e não como o outro se comportaria. Não há a cultura fechada. Temo que dizer isso seja perigoso, mas acredito que nem mesmo a última das tribos isoladas se mostrará sem qualquer coisa quem venha do outro. Pensar assim, de princípio, é pensar o mundo pequeno e todo em contato. No entanto, não é isso mesmo o que engrandece o mundo inteiro em sua diversidade impensável?

O que li dizia sobre a cutura em Salvador ser fechada, como auto-suficiente, como se cada coisa que fosse exaltada pelas mídias - ou tudo que isso possa representar - fosse o suficiente para decretar o que é pobre ou rico ou cultura de fato. Para mim, o que há é uma diferença grande entre isso que dizem e os modelos que tentam se impor de todas as maneiras. É o modelo da aceitação indiscriminada o que vejo.
Mas o confrontamento com o real não nos permitiria o comportamento tão almejado pelas elites baianas e brasileiras e feirenses  e de todos os cantos. Nos comportamos do jeito que dá - espero que me entendam quando digo isso. Por isso o pagode com a mão no chão, por isso as sessões de jazz no MAM, por isso os encontros todos em todas as universidades. O que há em todos esses cantos é o diálogo do que somos com as propostas de nos transformarmos.

Estamos mesmo é com os instrumentos errados: o pagode usa o interesse midiático de satirizar o gueto para ganhar o dinheiro que merece, e ambos ganham! Soubessem desse mecanismo por inteiro, o usariam de forma diferente. Os que fumam o jazz do MAM, pudessem eles perceber as arrumações malucas que a música traz e como ela, a música, nos dar uma lição de entrelaçamento cultural, transformação e gente, talvez soubesse o que estão ouvindo ali de verdade. E se todos os encontros nas universidades servissem para pensar e não reproduzir...

Todos talvez saíbam disso tudo. E é isso que aflinge: sabemos. Temos é medo de encarar.

Não. Então, não precisamos de nada, enfim. Nenhuma mudança de comportamento ou de atrações novas, ou espetáculos mais caros e respeitáveis. Não temos que respeitar nada. A movimentação inerente de nós mesmo para o daqui a pouco se encarrega de tornar-nos naquilo que seremos. A renovação, a modernidade eterna, traz o que somos e isso é cultura.

O que nos falta é a intencionalidade, os instrumentos estão aí para todos, afinal, caneta serve para escrever, mas encravada na jugular, mata! - como já disse o professor Elói. 

Não, não penso contra as coisas que nos chegam, penso é sobre como elas chegam. Não penso sobre a transformação. Tenho medo é da suplantação.

linha 5

Às vezes, me demoro em frente ao espelho e fico assim por alguns longos minutos. Fico tentando me apaixonar por mim, mesmo, e penso sobre o quanto isso é difícil conhecendo-me tanto e tão profundamente. Penso também sobre como não sei nada de mim. Mas paixão não tem nada que ver com saber...