29 dezembro, 2010

Saudável Saudade

Sabe? Sanidade é algo que procuramos o tempo todo. Ser normal é ser são, lógico e certeiro em tudo. É na sanidade que se realiza a maior das aberrações contra nós mesmos. É lá, justamente nesse lugar deserto e estranho onde nos negligenciamos todos os dias, podamos não a copa mas a raízes. Parece estranho querer estar são. 
Agora mesmo, o meu pensamento se vai sem linhas num céu azul e sem nuvens, como num sonho, como o é. O que pesco neste momento mais leve é que a sanidade é como um freio. Não um freio de mão alucinante a sabe-se lá quantos quilômetros por hora sem aviso prévio. Mas um freio mastigante, intermitente e eterno.
Foi encucado em nós, não apenas no pensar sobre nós, que é bonito ser são.
De fato, o que penso é que adjetivaram o que há muito urge por ser verbo. Somos. Os sãos de alma, são, na verdade, doentes na cara e as ações limpas sem cheiro e harmoniosas nas extremidades não são mais que a chatice de viver assim como quem quer tudo, mas não ao mesmo tempo.
Todos os dias em que entrar no banheiro de agora em diante, e em todos os espaços, darei o direito a mim mesmo de liberdade incondicional. Minto. Liberdade condicionada ao que, em mim, constrói o que há de mim de mais estranho. E não só eu.
Que esse seja o desejo mais puro de ano novo que se possa ter. 
Que tenha a liberdade de nunca ser realizado, como todos os outros desejos sãos.

20 dezembro, 2010

Darlene

Desceu a rua balançando o corpo como de costume.
Os rostos acompanhavam seu movimento, mas não era isso que prendia sua atenção aquela tarde. Nunca soube ao certo o que fazia de si tão estranha àquela gente que insistia em estranhar. Era sua rotina, porém.
Hoje, a mente trabalhava em expediente diferente. Havia um cheiro e estava embriagada.
Subiu as escadas e nem se deu conta da gata que espera a passagem  para brincar com seus tornozelos. Quando chegou, tudo estava tão normal, tão igual, que percebeu desconcertada a presença do tempo estante e pastoso.
Cumprimentou a mãe na cozinha que, mesmo sem lhe voltar o rosto, dizia que estava bem e que a amava. Isso  porque é inerente às mães amar quem quer que seja filho seu, de ventre ou não. Às mães não há espaço para escolha de nome e nota de amor. O resto da família também estava lá e seu quarto no mesmo lugar.
Acontece que à tarde, antes de seguir o caminho, beijar as mãos e respirar o tempo pesado, houve água. E posso mesmo dizer que não era água ao certo, mas que tinha o cheiro e o toque da água chuva cachoeira que se derrama feito qualquer coisa, que não sabe das convenções de pessoas que espreitam passadas sem barulho ladeira abaixo. Acontece que o tempo é tão fluido quanto água. Tempo é água de lavagem.

(Suspira.)

Nada arde como o lábio quando o controle não toca a sombra que afaga. Nada alcança o lábio inerte. Acelera, acelera, respira e corre e sofre e deseja.

Então, as tardes são curtas o suficiente para voltarem sempre e sempre. E enquanto o tempo se cristaliza na sala, enquanto as mães amam sem porquê e os pais dormem no sofá, a menina anda todos os dias pelo relógiodo desejo porque é tempo de poder.

Esquecendo-se disso, convém, porém, observar,  que os adolescentes morrem aos pés da caixa sem ao menos cojitar sua abertura. Quando acordarem, o espaço entre o agora e depois terá deixado poeira em seus ombros e não deixará, além disso, vontade.

Ah que o tempo nos causa enjôo às vezes!